Na aldeia o aldeão. E na cidade, o cidadão? E na vila, o vilão? Com tanto ão mais vale dizer que não. Como se verá, com razão.

O conceito de cidadania tem duas acepções primárias: a de direito de cidadão e a de qualidade de cidadão, em que por cidadão se entende aquele que habita num Estado livre, tendo direitos civis e políticos. Cidadania remete assim para um conjunto de direitos, mas também para um conjunto de deveres, estes especialmente vinculativos para alguém investido na qualidade de cidadão. Para todos, portanto.

A Constituição da República Portuguesa, no plano cultural, sintetiza parte destes deveres quando diz que "todos têm direito à fruição e criação cultural, bem como o dever de preservar, defender e valorizar o património cultural". Direitos e deveres, uns não subsistem sem os outros.

Decorre de tal enunciado que aqueles que tiverem o direito de fruição e criação cultural de alguma forma limitado ou que não cumpram o dever de preservar, defender e valorizar o património cultural exercem de forma deficitária o seu papel de cidadãos.

A dimensão de cidadão implica, assim, responsabilidade e solidariedade que, embora tradicionalmente exercida através da actividade política, tem outros meios de se ver concretizada. Entre estes meios, encontram-se os movimentos temáticos em torno de interesses definidos, como, por exemplo, a defesa de uma espécie animal, a promoção da solidariedade social ou a valorização de determinado património cultural ou artístico.

Quanto mais fortes forem esses movimentos temáticos, mais a política perde "a sua sacralizante vocação totalizadora, o seu carácter omnívoro, o seu finalismo exclusivista", não porque seja dispensável - que não é - mas antes  porque se deixa "envolver fortemente por discursos de carácter temático, que lhe determinam a cadência, as estratégias, a própria forma"(1).

Bom, e que tem isto que ver com a Pocariça, a tal freguesia que dizem - sem saber - estar "perdida no mapa"? Estarão os pocaricenses perdidos no mapa da cidadania? Então por cá ninguém defende interesses temáticos? O pocaricense arquétipo, afinal, não está investido na qualidade de cidadão?

Não se caminhe muito; não é preciso sair deste sítio virtual para ver que há quem cuide da cultura física e do desporto (o Académico da Pocariça), assim como há quem valorize um determinado património musical e teatral (a Associação Musical da Pocariça). E também temos quem se esforce por objectivos cívicos (a Associação Cívica dos Amigos da Freguesia da Pocariça) e há até quem promova a solidariedade social junto de imigrantes de países tão distantes como São Tomé (a Associação Padre Manuel António Marques).

Ainda assim, com pouco esforço, poderão ser encontrados em Arrôtas, no Montinho ou na Pocariça outros motivos de reunião e associação de esforços, no sentido da promoção ou defesa de novos interesses - públicos, que dos privados em todo o lado se trata. Bastará olhar à volta e ver o que faz falta, para bem da malta.

Fica então a sensação - que não é apenas sensação - de que a cidadania marca presença na Pocariça, entre os pocaricenses. E, para terminar em tom vivo e brilhante, diz o cidadão e neurocirurgião João Lobo Antunes, num livro sugestivamente intitulado Numa Cidade Feliz: "Insisto: é urgente que as associações que livremente congregam as inteligências desta terra façam ouvir cada vez mais a sua voz." Pois bem, se por cá já temos vozes, façamos agora um coro.

 (1) SANTOS, João Almeida, "A cidadania, hoje" in Babel, revista electrónica localizada em http://www.lxxl.pt/babel/index2.html, consultada a 12 de Abril de 2007.